Sempre que falamos em formação de atletas ou dos muitos minutos que estrelas do esporte concedem para a mídia como conseqüência de atitudes equivocadas, falamos do suporte familiar e da formação do homem que os clubes deveriam priorizar. Os exemplos públicos, no Brasil, são na grande maioria oriundos do futebol. E vocês sabem que meu meio é o basquete, mas tratar de formação de atletas é algo que me chama a atenção e me faz refletir cotidianamente nos caminhos que devemos seguir.
Nos últimos dias, foi impossível não acompanhar parte da mídia e refletir sobre os porquês do abandono do esporte pelo jovem Adriano. Já no primeiro momento concluo que, mais uma vez, um contrato milionário aos 18 anos enche o bolso e resolve os problemas financeiros da família, mas deixa uma lacuna emocional nos jovens que precisam mudar de estado, as vezes de país tão jovens. Isso ocorre principalmente os de origem humilde e sem uma base familiar sólida, capaz de acompanhá-los e ajudá-los na nova fase e na passagem da adolescência para a vida adulta com maturidade suficiente para gerenciarem as próprias vidas com sabedoria. Temos exemplos de sucesso na vida de milionário e de fracassos retumbantes, tanto na carreira, como na fortuna amealhada durante anos de sacrifícios físicos e privações. Faz parte do processo de ser profissional do esporte, dirão alguns. Fico com os demais, que dirão que o foco está equivocado e que deveria ser direcionado para a formação do homem.
Em pesquisa realizada no basquete americano, o mais cobiçado do mundo há décadas, ficou comprovado que os atletas, ao encerrarem a carreira, possuem o que o homem mais pode temer: muito dinheiro e tempo livre para gastá-lo. Não percebem que o dinheiro termina e a fonte já secou, pois não poderão mais serem atletas e construírem novas carreiras de sucesso, com novo enriquecimento. O referido levantamento comprovou que 60% dos jogadores da NBA perderam quase toda a fortuna em até cinco (05) anos após se aposentarem. E não pensem que são os menos conhecidos que estão nessa lista. Nela temos Scottie Pippen (hoje praticamente falido) e Charles Barkley (perdeu 10 milhões de dólares no Blackjack em seis horas), além de boxeadores famosos, como Mike Tyson. No basquete brasileiro temos muitos exemplos de atletas que viveram em coberturas, possuíam carros importados, davam festas e festas em boates e no final da carreira não sabiam o rumo que dariam em suas vidas, nem como manteriam o status adquirido no auge do sucesso esportivo, pois a riqueza conquistada se esvaiu pelos dedos. No futebol os exemplos são muitos.
Então, enquanto os clubes formadores não perceberem que estão lidando com talentos esportivos que lhes darão títulos, mas que serão pessoas que terão de gerenciar milhões, a coisa vai permanecer complicada no lado emocional e a sucessão de más decisões continuarão ocorrendo. Enquanto o foco for o lucro imediato (títulos, mídia), os jovens serão usados e descartados. Nosso exemplo caído de maduro está aí: as declarações de infelicidade de Adriano e a coragem de dizer que chega, basta de Itália e que quer viver no Brasil, ser feliz na simplicidade de sua vida antes da fama. Será que as pessoas em sua volta não conseguem dizer e explicar que não é mais possível ser o mesmo de 11 anos atrás? Eu penso que ninguém em sã consciência pode dizer que morar na favela, no meio do tráfico de drogas, do tiroteio constante e todo tipo de violência não pode ser melhor que viver em áreas menos violentas e afastadas dos morros do Rio de Janeiro? Certamente o Imperador precisa de ajuda, de uma terapia para refletir sobre suas conquistas e como dar o passo seguinte em sua vida: ir em frente sem o futebol, se assim desejar, mas com capacidade de gerenciar a própria vida com a sabedoria de que viver ali onde foi criado não é mais parte do seu universo.
No esporte brasileiro precisamos realizar o trabalho de formação de atletas, talentos esportivos com o foco na performance, mas com a competência e a responsabilidade de que antes do atleta estamos lidando com a vida de homens e mulheres e que a presença da família nesse processo é fundamental para união de talento e desenvolvimento emocional. Usar a estrutura do clube como base de formação do ser humano, com a ajuda da psicologia, é importante para que os jovens consigam desenvolver o potencial esportivo que possuem, dando o salto qualitativo que buscam para suas vidas quando ingressam na prática competitiva do esporte de rendimento. Ser capaz de priorizar o ser humano é a atitude mais sensata que técnicos e clubes devem assumir.
Como técnico e educador procuro encaminhar meus atletas para outros clubes no ano que completam 18 anos. Isso ocorre agora como conseqüência de experiências frustradas, pois antes o fazia quando os atletas tinham 14 ou 15 anos e já achava que era muito tarde. A partir daí os jovens estarão concluindo sua formação básica pelos próximo dois anos e ainda próximos de casa, mesmo que não mais integrados ao PBC – hoje é o caminho para aqueles que possuem talento e querem continuar no basquete, levando consigo o misto de prazer pelo jogo e desejo de reconhecimento, de transformar o que amam em trabalho remunerado.
Finalmente, a partir desse ano, com as mudanças que igualam as idades do basquete gaúcho com os demais estados brasileiros, já surgiram cinco equipes nessa faixa etária e sessenta atletas, de 18 e 19 anos, que não jogariam mais ou teriam de sair do RS poderão praticar o basquete e avaliarem se querem ser atletas profissionais. Quem sabe, ao mesmo tempo que o basquete gaúcho se fortalece, possamos fugir da política exportadora de jovens atletas que também atinge o nosso basquete e formar homens e mulheres mais fortes e resistentes para os próximos passos na vida.
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